… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Sondando o coração



J. Edwin Orr

Sondando o coração


O Espírito Santo é o Autor do avivamento, tanto no sentido individual quanto no coletivo. É o ministério dEle que produz no cristão a sensação de necessidade, que leva uma congregação ao arrependimento, que conduz uma comunidade inteira à transformação. Ele convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo, porém muitos cristãos dependem somente da sua consciência ao invés de buscarem uma consciência iluminada pela Palavra de Deus e vivificada pelo Espírito do Senhor.

A obra do Espírito, portanto, é mostrar ao pecador a extensão das suas falhas, apontar o padrão perfeito da justiça em Cristo e adverti-lo do inevitável juízo divino. Ele executa um trabalho semelhante no coração do cristão, convencendo-o de carnalidades e falhas, estimulando-o à entrega completa, à apropriação da justiça de Cristo para a sua vida diária e advertindo-o do Tribunal de Cristo, onde poderá receber um galardão ou sofrer perda.

É ao Espírito Santo que o cristão precisa recorrer se quiser que o seu coração sedento encontre avivamento. Tal bênção depende da purificação, que por sua vez, depende da confissão; a confissão só é possível quando há convicção e esta, por fim, só vem quando o próprio Espírito de Deus sonda e vasculha o coração.

A oração mais eficaz para o cristão que tem fome espiritual é uma petição eloquente encontrada nos Salmos de David: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.” (Sl 139.23,24 ARC1995).

Nunca compreendi plenamente a profundidade dessa petição até que a vi na tradução de um idioma escandinavo. Ali a palavra “sonda” é traduzida por uma palavra que significa esquadrinhar ou vasculhar. Não precisamos de muita imaginação para fazer um quadro mental comparando o serviço meticuloso de vasculhar com uma sondagem superficial. Quem vasculha vira tudo de pernas para o ar e traz à luz coisas que estavam escondidas ou esquecidas.

Nos tempos de afastamento ou frieza espiritual, o Espírito de Deus é apagado (1Ts 5.19), e a consciência é abafada. À medida que a vida continua, a tendência natural de uma pessoa que teve a consciência despertada pelo Espírito é esquecer os acontecimentos desagradáveis. Mas, quando há uma renovação da convicção, o entulho da vida rotineira é afastado, e o elemento ofensivo é trazido novamente à atenção. Para que não haja superficialidade na confissão, Deus precisa de vasculhar o coração por completo.

A petição é totalmente pessoal por natureza. “Sonda-me!” É muito comum as pessoas mais espirituais terem mais consciência das falhas berrantes dos companheiros menos espirituais do que das suas próprias.

Na última Páscoa, os discípulos não disseram: “Será que é Pedro? Seria Tiago... ou talvez Judas?” Cada um perguntou: “Porventura sou eu, Senhor?”. Há um tempo para todo o propósito debaixo do céu, e isso inclui introspecção saudável. As nossas orações não serão ouvidas até que deixemos de “guardar o pecado no coração” (Sl 66.18). Somente quando o coração é sondado e vasculhado é que o pecado pode ser arrastado para fora e exterminado pela luz.

É significativo que a petição é dirigida a Deus. Nem pastor, nem psiquiatra, nem médico ou psicólogo, nem amigo ou inimigo, nem pessoa estranha ou a própria mente poderá adequadamente esquadrinhar o coração em busca do pecado. O pecado ofende o Deus Todo-poderoso, e somente Deus pode trazer à luz toda a sua verdadeira ofensa.

Quando abrem a sua vida a um conselheiro, a maioria das pessoas só revela aquilo que lhes interessa, pensando na preservação dos sentimentos. Por mais perceptivo e sagaz que seja, um pastor ou um psiquiatra bem treinado é limitado pelos seus preconceitos, circunstâncias ou formação. Toda a informação oferecida para análise é limitada pelos sentimentos da pessoa que está buscando conselho, e a avaliação humana aplicada à situação é limitada pelas ideias do conselheiro. O homem consegue fazer uma análise inadequada e um diagnóstico arriscado. Deus, por outro lado, não comete erros.

Quantas vezes tenho notado, ao aconselhar ex-combatentes de guerra, a tendência deles ao contar-me só o suficiente para induzir-me a concordar com eles, a desculpar o seu erro e apaziguar a consciência. Nunca ouvi um soldado dizer: “Foi bem pior do que isto que lhe estou falando”, ainda que esse geralmente seja o caso.

Para identificar o pecado, a auto-avaliação é ainda pior do que o conselheiro. O homem é totalmente incapaz de vasculhar o próprio coração. Ele sempre conseguirá racionalizar o seu pecado. Lembro-me de um velho conhecido que parecia ser um mentiroso patológico. Mentia tão frequentemente e repetia tanto cada uma das mentiras que até ele própria acreditava nelas. Não se pode confiar em ninguém para examinar o próprio coração. O coração é enganoso.

Nem só o coração precisa de ser examinado, mas os pensamentos também. Deus vasculha tanto o coração quanto a mente. Ele prova os pensamentos, porque assim como o homem pensa no coração, assim ele é. O homicídio começa com ódio, o roubo com cobiça e o adultério com pensamentos impuros. A imaginação, muitas vezes, é mais forte do que a vontade, e, quando se dá corda na mente para ela, inevitavelmente o pensamento gera ação.

Quando o Espírito esquadrinha o coração e a mente, Ele mostra ao cristão quanto se afastou do caminho. A confissão do pecado o conduzirá de volta para o caminho da comunhão. Isso em si já é um início de avivamento espiritual para o indivíduo.

Mas será que o Espírito esquadrinha o coração e a mente sem precisar de íntima cooperação com a vontade do homem? De forma alguma. O cristão precisa cooperar plenamente com o Espírito Santo nesse processo.

Primeiro, ele precisa reconhecer a sua necessidade e de admitir com humildade que a condição do seu coração não está de acordo com a vontade de Deus.

Depois, ele deve orar e pedir especificamente que o Espírito esquadrinhe o seu coração. Não só é necessário que continue em oração, durante a qual o Espírito pode agir, trazendo-lhe convicção, mas ele deve também dar diligente atenção à leitura da Palavra, especialmente nas passagens que têm relação com a sua necessidade ou falha, porque o Espírito também poderá usar esse meio para trazer convicção.

E, finalmente, ele precisa usar a chave para abrir os arquivos da memória e tentar recordar os atos ou tendências que descarrilharam a sua vida espiritual. Ele pode procurar também o conselho de um amigo, porque às vezes o Espírito Santo coloca a Sua repreensão na boca de um amigo fiel. Ele pode até reexaminar as coisas indelicadas e desagradáveis que os seus inimigos e críticos disseram a seu respeito, porque pode haver verdade nelas, ainda que tenham sido ditas sem amor.

Para que ninguém se desculpe apenas por não ter consciência de pecados mais grosseiros, observe no final da oração uma outra petição: “Vê se há em mim algum caminho mau.” Na versão NVI, está assim: “Vê se em minha conduta algo te ofende”. Qualquer coisa que ofende ou entristece o Espírito Santo de Deus é um obstáculo à Sua bênção e impede o avivamento.

 “E guia-me pelo caminho eterno.” Qual é o caminho eterno? Essencialmente é o Caminho – o próprio Cristo. “Se dissermos que mantemos comunhão com ele, e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade” (1Jo 1.6). Andar no caminho eterno significa andar na luz. Significa andar na verdade. Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida. Andar no Caminho e obedecer a toda Verdade é o segredo da vida abundante.

De uma coisa o cristão pode estar certo: o Espírito Santo nunca deixa um coração sedento sem resposta. A cirurgia dEle é feita com toda perícia, a cura e a restauração com toda a ternura. As disciplinas de Deus são a manifestação do Seu amor.

in “My All, His All”, J. Edwin Orr. Editado por Richard Owen Roberts. Copyright 1989. Usado com permissão

James Edwin Orr (15 de janeiro de 1912 - 22 de abril de 1987) foi um ministro batista, palestrante e escritor.

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